sábado, janeiro 09, 2010

Fragmentos de um pensar: Publicidade e Consumo.

O ENCANTAMENTO DO HOMEM MODERNO E O FETICHISMO CONTEMPORÂNEO

De acordo com Carone (1989, p. 25) o fetichismo torna possível a falsa apresentação social da mercadoria. Esta, encantada pelo fetichismo esconde seu processo produtivo e se apresenta como possuidora de valores humanos. Vejamos: “ela reaparece, no final da análise, como um objeto não trivial, não como um meio para atender a um fim”.

Logo, as mercadorias não carregam consigo suas trivialidades e assim encantam o homem em suas aparições sociais. Tais encantamentos se dão através de valores divinos atribuídos a elas (antropomorfismo). Marx chamou esta divinização da mercadoria de fetiche. (CARONE, 1989). Fetiche porque esconde os processos produtivos da mercadoria, ou seja, todo o trabalho humano necessário para torná-la possível. Fetichizada, a mercadoria parece ter existência por si mesma distante de qualquer tarefa humana.

Já que este nosso trabalho se dispõe a analisar a publicidade e seu desenvolvimento técnico e sedutor até localizar-se na pós-modernidade, é pertinente a verificação das diferenças dos fetiches desenvolvidos por Severiano. O primeiro se estabelece no início da sociedade industrial, presenciado e criticado por Marx, e o segundo é o fetiche e seu valor-signo, encontrado na pós-modernidade. Possível através da modernização publicitária que tornou real o desenvolvimento da sociedade de consumo.

Na sociedade atual, os objetos de consumo não podem ser identificados por nacionalidade ou país de origem. Isso, devido às marcas que ao se desmaterializarem carregam valores que superam seu processo produtivo e sua nacionalidade. Logo, a pós-modernidade apoiada na publicidade possibilita apresentar os produtos de hoje como “produtos globais”, pertencentes a todos os países e ao mesmo tempo a lugar algum. (SEVERIANO, 2007).

As marcas e seu poder de encantamento

As marcas possibilitam uma identidade aos “produtos globais” através dos signos que a publicidade manipula tão bem. Hoje em dia, os produtos se desmaterializam mediante sua forma sígnica mais abstrata. Ou seja, as mercadorias se desvinculam de sua forma material mediante a publicidade e recebem uma associação que agrega à mercadoria valores e qualidade humana. (SEVERIANO, 2007). Ainda para maior esclarecimento deste cenário contemporâneo onde o homem pós-moderno encontra-se, Severiano (2007, p. 53) nos mostra que as mercadorias com a ajuda da publicidade ganham dimensão simbólica nunca antes vista.

Com a atual expansão, sem precedentes, de uma infinidade de objetos de consumo, não só as relações sociais de trabalho ficam camufladas, na forma de mercadoria, como se incorporam a ela, cada vez mais, poderes imateriais. Agora, a mercadoria além de incorporar/ alienar as relações sociais que produziram, também incorporam e alienam aspectos subjetivos referentes à felicidade, liberdade, personalidade e realização humana. O que à época de Marx tinha uma aparência de ‘coisa’- a mercadoria – desmaterializa-se e passa ter uma aparência de ‘signos’, absolutamente intercambiáveis em suas significações. Ou seja, a transformação do objeto em valor-signo continua a encobrir o caráter social do trabalho, pois o objeto continua a ser mercadoria, só que, como essa mercadoria/objeto consumo é, agora, predominantemente valorada em seus aspectos sígnicos, até a sua natureza material tende a diluir-se e o que aparece é o movimento de signos.

Para Severiano, os “produtos globais” no mercado capitalista pós-moderno em uma análise aparente, apresentam-se autônomos no que se refere ao trabalho material humano. Esta pseudoautonomia do objeto permite que haja uma inversão de papéis, o homem passa a ser o objeto despotencializado e a mercadoria com a ajuda da publicidade ganha autonomia para representar a felicidade, liberdade entre outras potencialidades humanas. A sociedade atual não compra apenas objetos, pois, a publicidade vende “estilo” e “atitude”.

Havendo assim um duplo ocultamento, o indivíduo não se conhece como produtor da mercadoria e não percebe mais a materialidade dos objetos, que nesta relação fetichizada encobre as mercadorias pelos signos que se referem aos objetos aos quais faz referência. Por conseguinte, a postura do homem pós-moderno diante dos “produtos globais” recebe o conceito segundo Severiano de “sociedade de consumo”, onde o valor da mercadoria concentra-se nos signos que sempre devem ser mantidos. (SEVERIANO, 2007).

Para ela, a simples mercadoria que ainda se demonstrava como coisa no século XIX e na modernidade, na pós-modernidade passa a ser objeto-fetiche e não guarda mais em si nenhuma característica de “coisa”. Utilizando-se dos elementos mágicos da publicidade eles possuem “estilos de vida”. O fetiche da mercadoria era quem dava característica material para as mercadorias e deixava transparecer a utilidade de cada produto. Com os recursos gráficos que o capitalismo desenvolveu a mercadoria pós-moderna ganha magia e de tanto deixar o receptor encantado em frente aos anúncios publicitários fazem seus receptores esquecer da “utilidade” de cada produto. Para melhor explicitação dessa diferença delicada, mas que, estrutura de maneira tão diferente os indivíduos ao ponto de merecer uma nova conceituação de fetiche da mercadoria para objeto-fetiche de consumo: “considerando que a compreensão do objeto-fetiche não se esgota na análise do fetichismo da mercadoria, uma vez que está tratando-se também de processos simbólicos” (SEVERIANO, p. 55) É necessário usarmos a argumentação de Severiano, (2007, p. 55) que se utiliza de Freud, para melhor entendermos o que significa fetichismo:

(...) Freud refere-se ao fenômeno do fetichismo como: ‘aqueles [casos] em que o objeto sexual normal é substituído por outro que conserva alguma relação com ele, mas é inteiramente inadequado para servir ao objeto sexual normal’.

Ainda nos utilizando das ideias de Severiano (2007 p. 56) para melhor compreensão do assunto: as duas condições para a ocorrência do fetichismo de consumo são:

‘o fetiche lugar do objeto normal’, ou seja, o objeto/marca, ao pretender realizar os desejos dos indivíduos, dotando-os de personalidade e estilo, resolvendo impasses e conflitos interpessoais, suprindo sua solidão e diferenciando-o dos demais, toma o lugar do próprio indivíduo como sujeito psíquico e social e, de suas experiências, na relação com a alteridade. Este seria o espaço original, onde a trama da personalidade, dos conflitos intra e interpessoais, da solidão ou da felicidade, se organizariam. Mas, entendendo à segunda condição de realização do fetichismo, o objeto de consumo transforma-se no único objeto ou meio de realização dos desejos humanos. Os demais são abandonados.

Temos nessa análise um encantamento dos indivíduos diante da simbologia objeto fetiche. Disponível socialmente através das peças publicitárias que têm a missão de divulgar no mundo capitalista tais ilusões ou irrealidades. O encantamento do homem e a desmaterialização da mercadoria são possíveis graças ao fetiche que se desliga do “objeto normal”, ou melhor, da mercadoria; e se apresenta como “estilos de vida” que devem ser possuídos.

Os valores que são compartilhados socialmente recebem importância em uma comunidade cultural. Segundo Bruner (1997, p. 34), “os valores são inerentes a compromissos assumidos com ‘estilos de vida’ e os estilos de vida, em sua complexa interação, constituem uma cultura”, ou seja, na maneira do indivíduo lidar com seus valores, adota consequentemente estilo de vida que lhe proporcionará autoidentidade. Na análise feita por Bruner, podemos nos arriscar a fazer uma ligação teórica com a análise psicossocial dos ideais de consumo na contemporaneidade, explicitada por Severiano, tão presentes nos anúncios publicitários que demonstram pertencer aos objetos os valores sociais. Assim, podemos dizer que os valores do homem pós-moderno se encontram na mercadoria desmaterializada pelos signos compartilhados pela publicidade que lhes oferecem fantasmagoricamente atributos exclusivamente humanos; como inteligência, sucesso e atitude. Desta maneira, a busca pelo personalismo identitário do homem pós-moderno a partir das mercadorias passa a ser estilo de vida, valores a ser atingidos. Logo, os valores, segundo Bruner, não se constituem como produtos isolados dos indivíduos, chegam a ser prática compartilhada, então a cultura no contexto pós-moderno se resume a uma busca por estilos de vida que só podem ser atingidos pelo consumo. Transformam assim, o homem contemporâneo em mero consumidor de signos apresentados pela publicidade. (BRUNUER, 1997).

Romenik Queiroz.

3 comentários:

  1. É o que percebemos hoje: os indivíduos não mais se identificam com o que são, mas com o que têm. Um jogo de aparências vem à tona, iniciando uma corrida por estilos de vida, em que o sucesso não mais se liga à formação individual, mas aos patrimônios adquiridos. A ostentação passa a ser uma das maiores consequências disso, e os absurdos começam a surgir em todos os cantos da sociedade, desde a compra de um carro (que há muito tempo perdeu parte da importância como utilitário) até os rios de fortuna que são gastos em uma noite de farra. Tudo pelas aparências.

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  2. Isso mesmo, é essa a foto de uma sociedade doente. Até quando?

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  3. Hoje em dia a gente vê exemplos de como o fetiche toma conta da realidade das mais diversas formas.

    Como os jovens buscam desesperadamente uma forma de vestir pautada na ilusão de marcas, achando que desse modo vão estar mais apresentados. Deixando de lado completamete o custo de produção do objeto que realmente valem, pagandos preços absurdos, na ilusão da imagem que tal produto passa.

    Outra situação que eu vivi a pouco tempo foi numa conversa besta sobre carros. Em um certo momento um amigo meu disse: ''Ah, mas aí é um Corolla, não é um carro qualquer.''. Como a marca, a imagem do produto toma proporções maior que a utilidade deste.

    Deixar de lado o fetiche é necessário até mesmo para uma diminuição dos preços, e, mais importante, racionalização do consusmo, uma das grandes entraves que o nosso planeta irá enfrentar nos próximos anos.

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