sexta-feira, setembro 04, 2009

7 de Setembro




7 de Setembro

Dona Madalena desceu do ônibus e logo avistou a multidão. Reparou em diversas alas espontâneas: capoeira, crianças e adolescentes apitando, jovens sorrindo, mulheres conversando... Onde deveria ficar? “Um negócio desses e eu aqui sozinha. Comadre Violeta devia ter vindo. Onde fico, meu Deus?” Reparou nos cartazes. Não sabia ler rápido, mas como as letras eram grandes... Movimento dos Conselhos Populares, Central dos Movimentos Populares “Engraçado, é só trocar as letras de lugar”, Vila Gegê, Movimento dos... Pastoral... As bandeiras se agitavam com o vento e dificultava a leitura de Madalena. Nada. Ela não encontrava nenhum cartaz que lhe dissesse onde ficar. “Melhor ficar aqui, nessa sombrinha”. Começaram a cantar. Pegou uma folhinha... Fez careta para a letra miúda. Pegou dois, três, quatro papéis... Quando olhou a sacola estava cheia... “ Será que esse povo lê tudo isso?” Cantou, cantou e não achou nenhum conhecido.
Depois de cinco ou seis gritos de bom dia! anunciaram, lá do alto de um caminhão, que o momento seria aberto oficialmente pelo seu Osmar, um homem do povo. “E tava fechado? E todo mundo aqui não é povo, não?” O homem simples, maltratado pela vida falou em forma de repente. D. Madalena balançava a cabeça, sorria, só resmungou quando ele disse que pobre não presta. “Que história é essa? Pobre presta sim e muito. Tá certo que tem uns preguiçoso, mas prestar, presta sim”.
Mais música. Palmas. Agora quem fala é o bispo. D. Madalena bate palmas. Também gostou do que ele disse, mas também resmungou ao ouvi-lo dizer que desejava que um dia não existissem mais momentos como aquele. “E como é que acaba com os pobres? Todo dia nasce mais e mais... Será que se acabassem os pobres acabavam os políticos? Por falar neles, não tem nenhum no palanque... Melhor nem pensar nisso, aqui nesse sol...” Mais música. Essa, Madalena conhecia! Tocava muito antigamente: um canto, um lamento de dor. Madalena agora se esforçava para ver o que estavam montando ou desmontando num caminhão ao lado. Era o mapa do Brasil. “Palavras bonitas. Devia ter um telão como passava na televisão. Dava pra ver melhor”.
Começou a caminhada. “Tava na hora”. Madalena vai olhando e andando. “Quanto terreno sem gente. Quem será os dono disso tudo?” O sol forte. Uma mocinha lhe ofereceu água. Madalena agradeceu sorrindo. Olhou para trás e ficou com vontade de ver toda aquela gente lá do alto. “Quantos tão aqui?” Não sabia responder. Uma velha cacique começou a falar sobre o sofrimento do povo dela. Um grupo poderoso está destruindo as terras dos índios e até disseram que não tem índio aqui. “Como é que alguém diz que índio não existe?” Refletia Madalena. “Mulher forte. Nem chorou. Também chorar pra quê? Nem Deus dá mais jeito em nada, mesmo”.
Mais música. Madalena lamentou não ter nenhuma bandeira para levantar. Talvez por isso se aproximou de uma faixa grande que estava sendo carregada por duas moças, um rapazinho e uma freira que dançava para lá e para cá. Madalena segurou e dançou também. Seguiu com eles. Tomou mais água. Comeu uns biscoitos. Teve vontade de perguntar o nome deles, mas ali isso não fazia falta. Parecia que todo mundo já se conhecia. E Madalena dançou, cantou, vaiou todos os ricos que acabavam com o sossego dos pobres e pouco se importou com o sol.
Quando finalmente chegaram ao final da caminhada, Madalena olhou a frase da faixa que ajudara a carregar: Os excluídos nos incomodam porque questionam a nossa capacidade de amar. Madalena leu quatro vezes para decorar. Era uma excluída. Morava num barraquinho velho, mas limpinho. Só tinha um menino que ela criava de 15 anos, que graças a Deus, estava estudando para ser gente e fugir das drogas. Ela lavava roupa e vendia papel. Ela era uma excluída sim. “Mas será que incomodo alguém? Será que todo mundo ali incomodava?” Não sabia responder direito, mas sabia que ali tinha se sentido amada. Ia contar tudinho pra comadre Violeta. “Quem sabe nesses papel não tem o endereço para eu participar sempre”. Madalena pegou o Grande Circular e voltou para casa. Oxalá, no próximo ano ela venha em um ônibus de alguma comunidade.

Rejane Nascimento.
Integrantes do conselho editorial da Premius Editora.

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